email: messiasvgs@hotmail.com
O despreparo de porteiros permitiu que uma equipe de A GAZETA entrasse em
dez prédios de bairros nobres de Vitória e Vila Velha, com facilidade. Em dois
deles foi possível até estacionar o carro nas garagens. A equipe só teve sua
entrada barrada em um dos locais visitados.
O teste comprova que nenhuma tecnologia de segurança é suficiente para
impedir a ação de criminosos se quem a opera não for treinado. “De que
adianta sensor digital se o porteiro permite a entrada de um estranho? De que
adianta tecnologia, sem metodologia, sem cuidados com a prevenção?”,
questiona o major Nylton Rodrigues, diretor do Centro Integrado Operacional
de Defesa Social (Ciodes), da Polícia Militar.
Os prédios visitados estão localizados em bairros nobres, como Mata da Praia
e Praia do Canto, em Vitória, e Praia da Costa, Itapuã e Itaparica, em Vila
Velha, com imóveis caracterizados como de médio a alto luxo. Alguns com um
único apartamento por andar, com valor oscilando entre R$ 400 mil a R$ 2,6
milhões.
Todos eles dotados de sistema de segurança - em um deles havia até sensor
digital -, e porteiros. Os nomes dos prédios não vão ser revelados por questão
de segurança.
Justificativa
Os argumentos para a entrada eram simples: visitar um amigo ou um imóvel à
venda, ou entregar o carro a um morador. Em nenhum local foi solicitado
documento para identificação. Em três casos foi informado apenas o primeiro
nome.
Em sete foi possível ter acesso às áreas sociais, apartamentos, guaritas e
garagens.
Em outro três prédios foi fácil conversar com moradores ou funcionários e obter
informações sobre os imóveis, os condôminos e bairro. Em um foi permitido
acesso ao clube social da quadra, de onde é possível chegar a outros prédios.
Ao contrário de Vitória, onde todos os porteiros foram bem receptivos, em Vila
Velha a desconfiança era maior. Barreira rapidamente superada com diálogo e
um pouco do “jeitinho brasileiro”.
Houve uma situação em que o porteiro chegou a abandonar a portaria para
acompanhar a visitação, dando todas as informações solicitadas.
”É o resumo de uma situação preocupante”, observa Cyro Monteiro, diretor do
Sindicato Patronal do Condomínios (Sipces). Para ele é um engano pensar que
assaltos em forma de arrastão, como os ocorridos em prédios de São Paulo,
não podem acontecer no Estado.
“Sem prevenção, sem os cuidados com a segurança, a probabilidade é real.
Infelizmente as pessoas têm o hábito de só fechar a casa depois do assalto”.
Em 2007 foram registrados no Estado 7.408 furtos e roubos (quando há o uso
de violência) em residências e condomínios.
No ano seguinte já foram registradas 7.510 ocorrências.
”Não há tecnologia para garantir a segurança se a pessoa que a usa não está
preparada, treinada para usá-la”
Nylton Rodrigues , Diretor do Ciodes
Moradores e porteiros são responsáveis pelas falhas
Moradores e funcionários dividem as responsabilidades pelas falhas ocorridas
nos condomínios. A avaliação é da direção do Sindicato Patronal dos
Condomínios (Sipces). Para eles, se aos porteiros faltam preparo e
treinamento, aos moradores falta o respeito às normas de segurança.
”O porteiro tem que ser treinado e cobrado por suas falhas, inclusive com
advertência. Por outro lado, é preciso o respaldo do morador, que nem sempre
gosta de cumprir normas, como ser identificado, por exemplo”, diz Cyro
Monteiro, diretor do Sipces.
Medidas simples, destaca o presidente do sindicato, Gedaia Freire da Costa,
que podem impedir diversos tipos de problemas. Ele destaca, por exemplo, a
identificação das pessoas sem que o portão de acesso ao prédio seja aberto,
aguardar o fechamento do portão da garagem; fornecer a lista de convidados
de sua festa; não deixar entregadores entrarem no prédio.
”São hábitos simples que podem ser incorporados ao dia a dia, com paciência.
Porém, há pessoas que se irritam facilmente, até quando é impedido o acesso
de um amigo, que para o porteiro é um estranho. Prevenção precisa fazer parte
da rotina de todos”, observa Costa.
Outro ponto que precisa de muita atenção nos prédios, alerta Monteiro, são os
imóveis à venda. Onde eles existem, a segurança fica mais comprometida. “É
preciso que sejam identificados todos os corretores”.
Preços de apartamentos nos prédios visitados
R$ 2,6 milhões
É o preço de um imóvel localizado de frente para o mar nas avenidas Dante
Michelini e Saturnino de Brito, nos bairros Mata da Praia e Praia do Canto
R$ 450 mil
Valor de um apartamento, com três quartos e duas vagas de garagem, nas
ruas internas da Praia do Canto, Vitória
R$ 1,9 milhão
É o quanto custa um apartamento localizado de frente para o mar, na Avenida
Antonio Gil Veloso, na Praia da Costa, em Vila Velha
R$ 350 mil
Preço de um apartamento, com três quartos e duas vagas de garagem, nas
ruas internas da Praia da Costa, Vila Velha
Relato
`Foi muito fácil`
Vilmara Fernandes, repórter
Ao receber a pauta, fiquei imaginando que desculpa iria dar aos porteiros para
ter acesso garantido aos prédios. Para minha surpresa, poucos pediram
explicações. Bastava dizer que faria uma visita a um amigo ou que aguardava
um corretor. A maioria dos porteiros foi muito solícita. Um deles chegou até a
se preocupar com meu carro, estacionado na calçada, em frente a uma das
entradas de garagem. Depois de já ter percorrido o hall e a área social do
prédio, cheguei a pensar que seria barrada. Quando estava no elevador, ouvi o
recado pelo interfone: `Senhora, informe a seu motorista que o carro pode ser
multado`. Pensei: Ele está se preocupando com o meu carro, enquanto uma
pessoa desconhecida transita pelo prédio, sozinha? Respirei fundo, disse que
faria contato com meu motorista e continuei meu passeio, tranquila. Em Vila
Velha, um porteiro chegou até a desconfiar. `A gente precisa ter cuidado. Há
jornalistas fazendo matérias sobre falhas de segurança em condomínio`. Ouvi o
relato sentada dentro de sua guarita, enquanto tentava localizar, pelo celular,
um suposto amigo a quem entregaria o carro, estacionado na garagem do
subsolo. Foi muito fácil.
Atrás das roupas e da boa aparência, um criminoso
Uma mulher bem vestida, dirigindo um sedã de luxo, em alguns casos até com
motorista. Para os funcionários dos dez prédios em áreas nobres de Vitória e
Vila Velha, visitados pela equipe de A GAZETA, uma pessoa acima de
qualquer suspeita. Um erro que mostra que, para muitos, ainda existe `cara de
bandido`.
`É um equívoco muito grande. Criminoso não tem cara, cor ou roupa. Pode ser
homem ou mulher. A concepção de que existe cara de bandido já caiu por terra
há muito tempo. Temos vários exemplos recentes de pessoas bem
apresentáveis que cometem crimes`, observou major Nylton Rodrigues, diretor
do Centro Integrado Operacional de Defesa Social (Ciodes), da Polícia Militar.
Um desses casos foi registrado em Vila Velha. Quatro jovens de classe média
praticaram furtos em uma loja de grife, de onde levaram até um aparelho de
celular. Eles residiam em um condomínio de luxo, em um bairro nobre de
Vitória, e um deles era dono de um automóvel BMW conversível. Se o critério
fosse aparência, todos passariam no teste do `acima de qualquer suspeita`
com louvor.
Mais uma prova, na avaliação do major, de que não há motivos para se
afrouxar a segurança. `Carro bonito, boas roupas, boa aparência podem não
significar nada. Por trás de tudo isso pode haver um criminoso`, ressalta ele.
Outro alerta vem do fato de que o crime, para um criminoso, é um negócio,
com riscos e oportunidades. `Ele faz a avaliação dos seus riscos e age. Então
é preciso aumentar os riscos para ele, o que se consegue com prevenção`,
alerta o major.
Porteiros são os olhos da polícia em dois bairros
Na Praia do Canto, em Vitória, e na Praia da Costa, em Vila Velha, já foi
implantado o projeto `Rua Segura`. Com ele os porteiros dos prédios possuem
um contato direto com a Polícia Militar da região, podendo relatar as
ocorrências por meio de rádio-comunicadores, sem ter que passar pelo
atendimento do Ciodes, no 190. `Passam a ser os nossos olhos na
comunidade, ajudando a abastecer a polícia com informações sobre as
ocorrências na comunidade`, explicou o major Nylton Rodrigues, diretor do
Centro Integrado Operacional de Defesa Social (Ciodes), da Polícia Militar. O
projeto é uma parceria da PM com as associações de moradores. Ele atribui ao
projeto a desconfiança apresentada pelos porteiros de Vila Velha.
Carro de luxo tem acesso fácil a garagem de prédios
Diante de um sedã de luxo são poucos os porteiros que se recusam a abrir a
porta das garagens. A equipe de reportagem utilizou um Corolla e só foi
barrada em um prédio, na Praia do Canto, em Vitória. Em outro não foi
necessário nem buzinar. Nas situações em que ele foi estacionado em frente à
portaria, também ajudou a impressionar o porteiro, facilitando o acesso ao
prédio
Uma explicação pode ser o fato desse tipo de veículo ser mais frequente nas
garagens dos prédios de médio e alto luxo. Em um deles o veículo foi
estacionado na vaga ao lado da de um morador, que, ao chegar ao prédio com
um carro igual, cumprimentou a repórter sem fazer nenhum tipo de
questionamento.
Um tipo de veículo que pode ser facilmente locado, pagando uma diária que
varia de R$ 260 a R$ 300 reais. Ou, como alerta o major Nylton Rodrigues, do
Centro Integrado Operacional de Defesa Social (Ciodes), da Polícia Militar, o
criminoso pode facilmente roubar o veículo.
Ele destaca que no ritual de um crime há o estudo da área, da rotina, dos
hábitos e até propriedades dos moradores. `O criminoso deste nível pode
roubar o veículo, utilizá-lo naquela ocasião e depois abandoná-lo. Aproveita um
momento de bobeira do porteiro e pratica o crime`.
Gasto com segurança chega a R$ 40 mil
O custo inicial para um prédio instalar tecnologia de segurança em seu interior
pode chegar a R$ 40 mil. O valor será gasto com a instalação de câmeras,
alarmes, circuito fechado de TV e até sensor digital para identificação dos
moradores. Para a manutenção mensal vão ser gastos até R$ 600.
`Hoje os investimentos tem sido menores. O boom ocorreu há dois anos. Os
gastos são maiores quando o prédio é antigo e precisa fazer toda a instalação
de cabos e fios`, relata Cyro Monteiro, diretor do Sindicato Patronal dos
Condomínios (Sipces). Acrescenta que os empreendimentos mais novos já
incorporaram a tecnologia de segurança. Alguns chegam até a utilizar o
atributo em suas publicidades para atrair os moradores.
Para Marcos Félix, presidente do Sindicato das Empresas de Segurança
Privada (Sindesp), além de equipamentos de segurança e de porteiros, os
condomínios também deveria investir na contratação de vigilância privada.
`Investem muito, mas errado. Sobrecarregam o porteiro com funções que não
são atribuições dele. É como colocar um vigilante para entregar cartas.
Esquecem que o investimento que está sendo feito é para a segurança pessoal
e da família`, alerta Félix.
Portas abertas para o crime
Vitória
Prédio 1
Localizado em uma esquina, em frente à Praia de Camburi, na Mata da Praia.
A entrada foi permitida sem nenhuma dificuldade, com acesso fácil à portaria.
Para não aguardar em pé, a repórter foi encaminhada ao hall dos elevadores,
onde permaneceu sozinha no ambiente, alegando aguardar um corretor. Não
foi solicitada nenhuma identificação. Não há avisos de imóveis à venda na
fachada
Prédio 2
Fica na orla de Camburi, na Mata da Praia. A presença de prestadores de
serviço facilitou o acesso à portaria. Não foi solicitado nenhum tipo de
identificação, nem mesmo o nome. Foi possível circular sozinha por áreas
internas e externas do prédio, ir a vários andares e apartamentos. O porteiro
facilitou o acesso, inclusive ao clube social da quadra, de onde se pode ir a
vários outros prédios. Durante a visitação vários funcionários faziam a limpeza.
Nenhum deles impediu ou questionou a visitação. Foi possível cumprimentar
moradores e prestadores de serviço que estavam no local. Há apartamentos à
venda no prédio
Prédio 3
Neste prédio, localizado na Praia do Canto, em frente à Praça dos Namorados,
há até sensor para identificação digital dos moradores, no portão de entrada. A
tecnologia, porém, não impediu o acesso e circulação por vários ambientes,
como área social e apartamentos, sem o acompanhamento de funcionários. No
local há apartamentos à venda ou que ainda não foram ocupados. Também foi
registrada a presença de funcionários de empresas de mudança e de
manutenção de obras que deram informações sobre a rotina do prédio. A porta
da garagem estava aberta
Prédio 4
Localizado na Rua Afonso Cláudio, na Praia do Canto. Ainda conta com
apartamentos à venda. O acesso foi fácil, bastando apenas informar o primeiro
nome. Não foram solicitados documentos ou outro tipo de informação para
identificação. Mesmo sem a presença do corretor, o porteiro permitiu a
visitação à área social - que não conta com videomonitoramento -, e à
garagem, de onde é possível ter acesso ao restante do prédio. Todo o percurso
foi feito sem nenhum acompanhamento
Prédio 5
Localizado na Rua Constante Sodré, na Praia do Canto. O acesso à portaria foi
rápido e fácil. Os funcionários estavam distraídos com uma ocorrência na rua e
não se preocuparam em acompanhar a visitação à área social, onde uma das
câmeras não funciona. No local foi possível até conversar com moradores. Não
foi pedido nenhum tipo de documento. O porteiro deu ainda informações sobre
o bairro, a rotina do prédio, dos apartamentos, dos moradores, disse quantas
unidades ainda não estavam ocupadas e os tipos de acesso ao local. Possui
quatro imóveis à venda
Prédio 6
Localizado na Rua Fortunato Ramos, na Praia do Canto. Em um horário de
grande movimentação na rua, bastou apontar o carro na garagem para que ela
fosse aberta, sem ser preciso sequer buzinar. O carro foi estacionado no
subsolo, na vaga de um morador. Foi possível percorrer vários andares, a área
social e até outros pavimentos de garagem. Foi feito contato com moradores
antes do carro ser retirado do local. Em nenhum momento houve abordagem
dos funcionários do prédio, que sequer foram vistos
Prédio 7
Localizado na Rua Saul Navarro, na Praia do Canto. Apesar da insistência à
frente da garagem, a porta não foi aberta e o porteiro apresentou uma atitude
hostil, não permitindo o acesso ao interior do prédio sem identificação
Vila Velha
Prédio 8
Localizado na avenida José Júlio de Souza, em frente à Praia de Itaparica, em
Vila Velha. Com uma buzinada a porta da garagem do subsolo foi aberta,
permitindo a circulação pelo ambiente. Depois de algum tempo houve
abordagem de um dos porteiros, que permitiu que o carro permanecesse no
local, enquanto acompanhava a ocupante até a portaria. Foi possível por vários
ambientes do prédio, incluindo a guarita da portaria, onde foram feitas diversas
ligações do celular. O aparelho chegou a ser entregue ao porteiro para que
desse informações a um suposto amigo a quem o carro seria entregue. Depois
de alguns minutos de conversa o carro foi retirado do local. Apesar da
desconfiança do porteiro, em nenhum momento foi solicitado documento de
identificação
Prédio 9
Localizado na rua Lúcio Bacelar, na Praia da Costa. Acesso fácil ao interior do
prédio, onde foi possível passar um bom tempo conversando com o porteiro no
hall dos elevadores. Dele foram obtidas informações sobre o prédio, a situação
de segurança do bairro e até sobre as mudanças que estavam sendo feitas na
decoração da portaria. O funcionário permaneceu o tempo todo fora da portaria
Prédio 10
Localizado na Avenida Desembargador Augusto Botelho, na Praia da Costa.
Foi possível entrar na portaria, conversar com o porteiro e com uma funcionária
da limpeza. Não foi solicitado nenhum documento, apenas o primeiro nome da
repórter. Não há imóveis à venda no local
Prédio 11
De frente para a Praia da Costa, na avenida Antonio Gil Veloso. A porta de
entrada do prédio estava aberta. Prestadores de serviço circulavam pelo local.
Foi possível acompanhar uma moradora, conversar com um funcionário da
limpeza, ter acesso à garagem e portaria do prédio, além de passar um tempo
dentro da portaria, obtendo informações sobre o prédio e seus moradores. Não
há imóveis à venda no local
As regras valem para todos
Porteiros
Não deixar estranhos entrarem no prédio sem identificação
Não transmitir informações sobre a rotina dos moradores ou do prédio
Utilizar corretamente os meios de segurança
Não ficar na calçada com as chaves da portaria no bolso
Nunca abandonar a portaria, nem mesmo para auxiliar moradores ou visitantes
Moradores
Não entregar chaves do apartamento ou veículos a funcionários do prédio
Obedecer, respeitar e zelar pelas normas de segurança do prédio
Esperar a porta da garagem fechar, após acionar o controle
Fornecer a lista de seus convidados à portaria
Manter sempre a porta do apartamento fechada
Não repreender funcionários que agem segundo as normas de segurança do
prédio
Síndico
Instalar equipamentos básicos de segurança e treinar os funcionários
Estabelecer normas de segurança para o prédio, e fazer com que todos sejam
informados sobre a sua importância
Definir procedimentos de acesso para visitantes e prestadores de serviço,
como entregadores de pizza e de medicamentos.
Reportagem Jornal A Gazeta - 10/05/2010
quarta-feira, 19 de maio de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
0 comentários:
Postar um comentário